quarta-feira, 28 de abril de 2010

Dois sonetos

À guisa de um prefácio tardio, um prelúdio esquecido... Ou se preferirem, um aviso, justificativa, talvez um pedido de desculpas pelas ladainhas que vieram e pelas que ainda virão: eis o que, fatigado, procurei em meu exemplar dos Sonetos de Bocage, roubado da biblioteca paterna e ainda empoeirado. Não selecionei um único, mas um par: trata-se de minha estratégia literária para enganar a solidão...

"Incultas produções da mocidade
Exponho a vossos olhos, ó leitores:
Vede-sas com mágoa, vede-as com piedade,
Que elas buscam piedade, e não louvores.

Ponderai da Fortuna a variedade
Nos meus suspiros, lágrimas e amores;
Notai dos males seus a imensidade,
A curta duração de seus favores.

E se entre versos mil de sentimento
Encontrardes alguns, cuja aparência
Indique festival contentamento,

Crede, ó mortais, que foram com violência
Escritos pela mão do Fingimento,
Cantados pela voz da Dependência".

"Chorosos versos meus desentoados,
Sem arte, sem beleza, e sem brandura,
Urdidos pela mão da Desventura,
Pela baça tristeza envenenados;

Vede a luz, não busqueis, desesperados,
No mudo esquecimento a sepultura;
Se os ditosos vos lerem sem ternura,
Ler-vos-ão com ternura os desgraçados.

Não vos inspire, ó versos, cobardia
Da sátira mordaz o furor louco,
Da maldizente voz a tirania.

Desculpa tendes, se valeis tão pouco;
Que não pode cantar com melodia
Um peito, de gemer cansado e rouco."

(Manuel Maria de Barbosa l'Hedois du Bocage)

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